VOLTAR À PÁGINA INICIAL 

 

EDUCAÇÃO & LITERATURA

 

 

 

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

SISTEMAS TUTORIAIS INTELIGENTES

(STIs)

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

Junho/2003


 

 

 

“... o conhecimento é útil somente quando

podemos explorá-lo para ajudar

 a alcançarmos nossos objetivos.”

Marvin Minsky

As aplicações educacionais com o uso do computador vêm se desenvolvendo desde a década de 60, muitas delas classificadas como Computer-Assisted Instruction (CAI)[2] que utilizam o paradigma da instrução programada. Os métodos desse paradigma propõem que primeiramente o estudante deve compreender a lição dada pelo professor para depois responder algumas questões, reforçando a compreensão. Usam portanto métodos e técnicas de ensino centrados no professor, abordagem influenciada pela Teoria Comportamentista de Skinner, com raízes na psicologia do condicionamento operante.

A evolução das técnicas de Inteligência Artificial (IA) e das pesquisas no campo das ciências cognitivas faz com que seja apresentado um novo paradigma que vê os ambientes de aprendizagem computacionais como lugares onde os estudantes possam ter experiências de aprendizagem individualizadas, com possibilidades, portanto de uma instrução personalizada. Os métodos e técnicas de ensino empregados nessa abordagem são centrados no estudante. Cada qual constrói o seu conhecimento. É o construcionismo com raízes no construtivismo, trazendo reflexões das teorias de Piaget e de Vygotsky. As pesquisas em IA estão relacionadas com áreas de aplicação que envolve o raciocínio humano, tentando imitá-lo e realizando inferências. O campo de IA tem como objetivo, o contínuo aumento da “inteligência” do computador, pesquisando, para isto, também os fenômenos da inteligência natural, é uma coleção de técnicas suportadas por computador emulando algumas capacidades dos seres humanos. O avanço dessa ciência vai depender dentre outros aspectos do crescimento do número de cientistas envolvidos nestes campos de pesquisa: ciência da computação e ciência cognitiva.

Hoje são usados os Sistemas Tutoriais Inteligentes. Por que esses sistemas são chamados “inteligentes”? E como eles contribuem para a construção de sistemas voltados ao ensino?

O termo “inteligência artificial” foi empregado pela primeira vez no ano de 1956, no encontro de Dartmouth onde estavam presentes dentre outros Allen Newell, Herbert Simon, Marvin Minsky, Oliver Selfridge e John McCarthy. No final dos anos 50 e início dos anos 60 os cientistas Newell, Simon e J.C. Shaw introduziram o processamento simbólico, que veio substituir os sistemas baseados em números. Foi uma abordagem fundamental para muitos trabalhos posteriores. Embora a Inteligência Artificial venha sendo estudada há meio século, só recentemente tem gerado um interesse crescente devido a sua aplicação em questões comerciais práticas, devido aos avanços tecnológicos dos equipamentos computacionais ocorridos nas últimas décadas.

Um sistema de inteligência artificial armazena e manipula dados, faz a aquisição, representação e manipulação do conhecimento, incluindo aí a capacidade de deduzir ou inferir novos conhecimentos, novas relações sobre fatos e conceitos, a partir do conhecimento existente e utilizar métodos de representação e manipulação para resolver problemas complexos que são freqüentemente não-quantitativos por natureza.

Uma das mais importantes idéias que emergiram das pesquisas em Inteligência Artificial é que fatos e regras (conhecimento declarativo) podem ser representados separadamente dos algoritmos de decisão (conhecimento procedimental). O que isso significa?

“Para utilizar um corpo de conhecimento em uma máquina, é necessário escolher uma maneira de representá-lo. Todo programa de computador contém o conhecimento sobre um determinado problema a ser resolvido. O conhecimento está  nos algoritmos que o programa emprega e nos procedimentos de decisão que determinam quais destes algoritmos empregar em determinada circunstância. Quando se carrega um programa em um computador, pode-se dizer que o computador "adquiriu" o respectivo conhecimento; entretanto, na maioria dos programas, estas informações não são representadas explicitamente e não podem ser facilmente atualizadas ou manipuladas”.

Na inteligência artificial o sistema é estruturado de forma a separar o código executável dos dados ou conhecimento do sistema. Em IA “conhecimento” vem  significar a informação que um programa de computador necessita para poder comportar-se de maneira inteligente. A linha básica de pesquisas tem sido a de simular inteligência através de programas de computador cuja principal característica é o conhecimento e a representação do conhecimento. BRACHMAN[3] (1990) vai indagar: “Como transmitir o conhecimento do mundo para um robô ou outro sistema computacional, dando-lhe uma capacidade adequada de raciocínio, de modo que este conhecimento possa ser utilizado para permitir ao sistema uma adaptação e exploração do seu ambiente?

Duas abordagens direcionam as pesquisas em representação do conhecimento: John McCarthy, representando a abordagem declarativa, tenta adaptar os problemas de IA a um mundo sistematizado da lógica simbólica. Seu principal interesse é a maneira de representar relações e características de um problema através do uso de expressões da lógica simbólica e ampliar o limite das possibilidades para esses tipos de expressões. Este princípio afirma que os conhecimentos sobre fatos e relações no mundo devem ser codificados explicitamente em um programa inteligente, de modo que permita outros programas “raciocinar” sobre este mesmo conhecimento. A maior parte do conhecimento cotidiano das pessoas é declarativo, pois representa simplesmente afirmações ou fatos sobre o mundo real. Por exemplo, “João comprou um carro.”, é uma típica afirmação declarativa. Marvin Minsky, representante da abordagem procedimental afirma que o comportamento do cérebro humano é  muito complexo para ser expresso dentro da lógica simbólica. Ele criou os “frames” como uma combinação de ferramentas e métodos que podem descrever as atividades do cérebro humano sem permanecer confinado à lógica simbólica. Minsky acredita que uma abordagem proveitosa é tentar utilizar os computadores para imitar a maneira como o cérebro funciona e ele afirma que isto nada tem a ver com a lógica matemática. A representação procedimental é aquela em que as informações de controle necessárias ao uso do conhecimento estão embutidas no próprio conhecimento,  a maior parte do conhecimento é representada como procedimentos para a sua utilização. Para utilizar uma representação procedimental, é preciso ampliá-la com um interpretador que siga as instruções fornecidas no conhecimento.

Embora existam controvérsias de métodos entre os pesquisadores, todos eles concordam que o objetivo principal da pesquisa é que os computadores devem “conhecer” muito do que cada ser humano conhece sobre o mundo e sobre os organismos naturais ou artificiais, que nele habitam. Há uma concordância de que a maioria dos domínios requer a utilização tanto da informação do conhecimento declarativo como da informação do conhecimento procedimental. Na prática, a maioria das representações emprega uma combinação destas duas abordagens. Pode-se dizer que a diferença entre as visões declarativa e procedimental do conhecimento está em onde residem as informações de controle. Não há delimitações claras entre as formas de representações declarativas e procedimentais. Em um processo de representação de conhecimento, a forma correta a ser empregada dependerá do próprio conhecimento a ser representado e de sua utilização pretendida.

Um exemplo de aplicação da inteligência artificial são os programas de computador planejados para adquirir e disponibilizar o conhecimento operacional de um especialista humano, denominados de Sistemas Especialistas. São vistos como sistemas de suporte à decisão, pois são capazes de tomar decisões como especialistas em diversas áreas. Sua estrutura reflete a maneira como o especialista humano arranja e faz inferência sobre o seu conhecimento.

“O sistema especialista mais freqüentemente citado é o MYCIN, desenvolvido por uma equipe de médicos e especialistas em IA na Universidade de Stanford. O MYCIN contém o conhecimento dos mais destacados especialistas no campo de doenças infecciosas. Foi projetado para auxiliar no diagnóstico e tratamento de meningite (inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal) e bacteriemia (infecção bacteriana no sangue). O MYCIN utiliza o tipo de raciocínio “backward chaining”. Dando-se um conjunto de sintomas para diagnóstico, o MYCIN utiliza seus conhecimentos para conduzir às conclusões e então recomendar o apropriado tratamento. O MYCIN foi um pioneiro entre os sistemas especialistas e representa um esforço de aproximadamente 50 homens/ano. Muito deste esforço está embutido em sua base de conhecimento.”

Os Sistemas Tutoriais Inteligentes (STIs) são programas de computador com propósitos educacionais e que incorporam técnicas de IA, geralmente utilizando-se da tecnologia dos sistemas especialistas. Estes programas podem simular o processo do pensamento humano, dentro de um determinado domínio, para auxiliar em estratégias nas soluções de problemas ou nas tomadas de decisões. Têm potencial para representarem um grande meio de comunicação de conhecimento, porque apresentam uma capacidade dinâmica de modelagem cognitiva, facilitando as decisões educacionais à medida que o estudante utiliza o sistema. Dentro desta perspectiva, o processo de aprendizagem pode ser concebido como o mapeamento do conhecimento do tema a ser ensinado - usualmente aquele possuído pelo professor - para a estrutura de conhecimento do estudante. Segundo JONASSEN[4] (1993) para que o sistema seja inteligente é necessário que o conteúdo do tema ou especialidade seja codificada de modo que o sistema possa acessar as informações, fazer inferências ou resolver problemas; o sistema deve ser capaz de avaliar a aquisição desse conhecimento pelo estudante; e as estratégias tutoriais devem ser projetadas para reduzir a discrepância entre o conhecimento do especialista e o conhecimento do estudante.  O propósito fundamental de todo STI é comunicar o conhecimento e/ou habilidades para o estudante resolver problemas dentro de um determinado domínio. As funções operacionais básicas desse sistema são determinadas por quatro componentes principais, que requer uma aplicação integrada: modelo do especialista, que é o conhecimento do domínio, é o objeto da comunicação, esta base de conhecimento contém os elementos para que o estudante aprenda o conhecimento do domínio e os procedimentos necessários para que ele possa utilizá-los na resolução dos problemas em uma determinada área deste domínio. O modelo especialista vai desempenhar dupla função: é uma fonte de conhecimento a ser mostrado (explicações e respostas, tarefas e questões) e serve como padrão para a avaliação de desempenho do estudante (gera soluções para problemas no mesmo contexto que o estudante realiza, comparando as respectivas respostas); modelo do estudante, que é o receptor nesse processo da comunicação de conhecimento. A chave para um ensino personalizado e inteligente em um sistema tutorial é o conhecimento que o sistema deve ter de seu próprio usuário. A dimensão mais significativa de um STI é sua capacidade para modelar o conhecimento do estudante. A característica principal deste modelo deve contemplar todos os aspectos do conhecimento e do comportamento do estudante que tragam conseqüências para o seu desempenho e aprendizagem. A construção de um modelo como este é uma tarefa bastante complexa para um sistema computadorizado. Os canais de comunicação em um computador podem parecer bastante restritos quando comparados com a capacidade das pessoas em combinar informações em uma grande variedade de meios:  tom de voz , expressões faciais, etc. Este modelo deve ser dinâmico, contendo o conhecimento e as capacidades do estudante, seu comportamento de aprendizagem passado, os métodos de apresentação aos quais ele responde melhor e sua área de interesse dentro do domínio. Munido destas informações, o sistema pode atingir um nível desejável e um método de apresentação adequado, adaptando a instrução à competência e habilidade de cada estudante; modelo pedagógico, que representa os métodos e técnicas didáticas utilizadas no processo da comunicação e do conhecimento. Este modelo contém o conhecimento necessário para tomar decisões sobre quais táticas de ensino deve empregar dentre aquelas disponíveis no sistema. As decisões e ações deste modelo são altamente dependentes dos resultados do processo de diagnóstico. O modelo pedagógico diagnostica as necessidades de aprendizagem do estudante com base nas informações do modelo do estudante e na solução do professor contida no modelo do especialista. Em geral, as decisões são sobre qual informação apresentar ao estudante, quando e como apresentá-la. Ela é guiada por estratégias e técnicas que são selecionadas e combinadas dinamicamente em reação às atitudes e necessidades dos estudantes. A ordem e maneira na qual os tópicos são tratados podem produzir experiências de aprendizagem diferentes. Em uma orientação tutorial, algumas vezes é mais eficaz deixar o estudante pesquisar a vontade ao invés de interrompê-lo, enquanto outras vezes, esta liberdade pode deixá-lo desorientado; e o modelo da interface com o estudante  é a forma como a comunicação será realizada com o meio externo do sistema. Nesse aspecto a interface deve ser projetada para que seja intuitiva e natural. Esse modelo é responsável pelo fluxo de comunicação de entrada e saída, proporcionando a comunicação em ambas as direções e realizando a tradução entre a representação interna do sistema e a linguagem de interface de maneira compreensível ao estudante, além de complementar dados importantes sobre o processo da aprendizagem.

“Durante uma sessão educacional, o sistema monitora a performance do estudante e tenta apurar o conhecimento que o estudante detém. Este processo de diagnóstico é realizado pela comparação do estado de conhecimento atual do estudante com o conhecimento contido no modelo do especialista. Os resultados desta comparação são passados para o modelo pedagógico, onde as decisões são tomadas sobre qual, quando, e como a informação será transmitida através da interface do sistema com o estudante”.

RICKEL[5] (1989) vai dizer que nenhuma forma geral parece adequada para representar o conhecimento, mas tipos diferentes de raciocínio e de conhecimento, requerem diferentes representações para um uso eficiente e eficaz. A escolha da representação de conhecimento em um sistema tutorial depende do tipo de conhecimento a ser armazenado e da utilização pretendida. A capacidade tutorial requer um conhecimento rico e suficientemente estruturado de modo a facilitar os tipos desejados de raciocínio e as capacidades cognitivas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem.

O desenvolvimento de um software educacional inteligente atualmente requer uma grande quantidade de esforço concentrado e uma diversidade de conhecimentos e técnicas. Um estudo comparativo de STIs é importante para os profissionais das diversas áreas de conhecimento envolvidas na construção destes sistemas. Novas pesquisas poderão trazer avanços consideráveis em áreas como interação homem-máquina e aprendizagem humana e de máquina.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CHAIBEN, Hamilton. Universidade Federal do Paraná, Centro de Computação Eletrônica Divisão de Suporte Técnico.
e-mail: hamilton@ufpr.br

<www.cce.ufpr.br>

Acessado em 15/06/03

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º grau e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2º grau. Professor Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO-MEC NTE-MG2

[2] Instrução Assistida por Computador

[3] BRACHMAN, R.J., “The Future of Knowledge Representation”, em “Proceedings Eighth National Conference on Artificial Intelligence”, Vol 2, pp. 1082-1092, Boston-USA, 1990.

 

[4] JONASSEN, D.H.,WANG, S., “The Physics Tutor: Integrating Hypertext and Expert Systems”, Journal of Educational Technology Systems, Vol. 22(1), pp. 19-28, 1993.

 

[5] RICKEL, J.W., “Intelligent Computer-Aided Instruction: A Survey Organized Around System Components”, IEEE Transactions on Systems, Man, and Cybernetics, Vol. 19, N. 1, pp. 40-57.