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 EDUCAÇÃO & LITERATURA

 

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

A INDÚSTRIA CULTURAL OU

COMO A VIDA IMITA A ARTE

Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

julho/2004 

"Ninguém deve sentir fome e frio;

quem sentir vai para o campo de concentração”.

(pilhéria da Alemanha hitlerista)


 

 

 

 

Adorno vai dizer que a expressão “indústria cultural” deve ter sido empregada pela primeira vez no livro Dialética do esclarecimento, de autoria dele e de Horkheimer, publicado em Amsterdam em 1947. Esse termo veio substituir a expressão “cultura de massas” que era usada para designar uma cultura que brota espontaneamente das massas, arte popular. Adorno afirma que a indústria cultural faz o consumidor acreditar que ele é o soberano, o sujeito dessa indústria, contudo na verdade o consumidor é o objeto. Ela se apresenta como progresso, continuamente novo, contudo é sempre igual. Os defensores da indústria cultural alegam que essa indústria funciona como critérios de orientação à sociedade. O imperativo categórico da indústria cultural não tem nada a ver com liberdade, muito pelo contrário, é um dever adaptar-se sem reflexão, através de sua ideologia, a adaptação toma lugar da consciência. A indústria cultural vai dizer que o importante é adaptar-se àquilo que propicie vantagens aos mais potentes interesses. Assim é que todos acabam aceitando o mundo como é preparado pela indústria cultural. O objetivo último da indústria cultural é a dependência e o servilismo dos homens. E para ilustrar essa última frase Adorno cita uma pesquisa de opinião pública americana que diz que “as dificuldades de nossa época deixariam de existir se as pessoas se decidissem simplesmente a fazer tudo aquilo que personalidades eminentes sugerem”. Em síntese a indústria cultural trabalha para que o mundo seja ordenado precisamente do modo que ela sugere, impedindo a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente.  

“O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto”. Hoje no Brasil constatamos que os donos dos grandes canais de televisão são os mesmos donos das revistas de grande circulação, de jornais e estações de rádio. Dessa forma a mesma notícia é veiculada a todas as camadas sociais com a ideologia do veiculante e todos acabam acreditando no que está sendo dito, e aceitando modos de vida como naturais, dados pelo divino, e  dessa forma a ordem é mantida, através da unidade do sistema cada vez mais coesa, e assim os economicamente mais fortes exercem seu poder sobre a sociedade, difundindo a padronização e a produção em série. E na condição de ouvintes, temos acesso aos mais diversos veículos de comunicação, a vários canais, todos iguais uns aos outros.  

Os produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre a mesma coisa, as vantagens e desvantagens discutidas pelos conhecedores servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e a possibilidade de escolha. E a indústria cultural logra seus consumidores quanto àquilo que está sempre a lhes prometer, o convidado deve se contentar com a leitura do cardápio. Ela não sublima, mas reprime, é pornográfica e puritana ao mesmo tempo. A produção em série do objeto sexual produz automaticamente o seu recalcamento. Nela está sempre presente a ameaça de castração. A felicidade não é para todos, mas para quem tira a sorte grande, ou é designado por uma potência superior. E só um pode tirar a sorte grande, e só um pode ser célebre. Resta regozijar-se com a sorte do outro, que poderia ser a sua, mas nunca é. Seu discurso é sempre vago, funciona como instrumento da dominação. Ela é o profeta irrefutável da ordem existente. E para demonstrar a divindade do real ela limita-se a repeti-lo constantemente. E repete sempre que todos podem ser como a sociedade todo-poderosa, todos podem ser felizes, desde que se entreguem de corpo e alma, desde que renunciem a pretensão de felicidade.  

E a indústria cultural ordena com a maior naturalidade tanto o holocausto como a compra de bugigangas, e todos obedecem. A publicidade e a indústria cultural se confundem tanto técnica quanto economicamente. A repetição universal dos termos designando as decisões tomadas torna-as familiares, a repetição cega e rapidamente difundida de palavras designadas liga a publicidade à palavra de ordem totalitária.

Em “Educação e emancipação”, segundo TEZZARI, Adorno denuncia a presença de uma “consciência coisificada” que tem como características a ausência de afeto nas relações, o pensamento através de categorias prévias, o uso de literatura secundária como forma de não enfrentamento na relação com as pessoas como se elas fossem coisas, ou clichês. E a escola vai ser grande responsável por isso através de seus conteúdos fragmentários, a que ele chama de uma colcha de retalhos de informações desconexas, a serem decoradas, sem que se permita a reflexão. Para ele a escola se apropria dos conteúdos e os retransmite, sem se abrir ao novo, à produção do saber. Afirma o autor que não existem modelos que garantam a formação cultural e que esta só ocorre a partir do esforço espontâneo e do interesse, desconectados desta estrutura formal escolar: cumprimento de horários, assiduidade, recebimento de diploma, etc.

Um dos papéis fundamentais da escola seria o de denunciar aos estudantes a indústria cultural, produzindo indivíduos capazes de resistir a essa indústria, dando-lhes autonomia. A escola não precisa encontrar soluções, basta refletir sobre os problemas. TEZZARI cita um exemplo que vai clarear o significado de indústria cultural no dia-a-dia:  

“Em 1983, era comum encontrar jovens na cidade de Porto Velho - RO, usando superposição de roupas sob o calor escaldante do Agosto nortista, especialmente jaqueta jeans sobre camiseta – a única explicação plausível era a influência da moda do “sul-maravilha” divulgada na mídia (lá, em Agosto, o frio justificava a superposição)”.  

TEZZARI afirma que a escola só admite a liberdade do sempre igual, e a classifica como medíocre. Para ela o que marca o ser humano é a quebra da repetição, diz ainda que é no imponderável e no imprevisível que se dá a liberdade humana.  

A indústria cultural e a escola como representante da indústria cultural infantilizam o ser humano, fortalecem o impedimento do crescimento, porque para a indústria cultural o ser humano é substituível, e dessa forma nega a essência, pois só há essência na diferença. A indústria cultural (e a escola) tolhe a fantasia, a imaginação, e a atividade mental.

A Indústria Cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. Nesse sistema tudo se torna negócio, a arte torna-se um meio eficaz de manipulação. Ele traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno, exercendo o papel específico de portador da ideologia dominante. O homem é mero instrumento de trabalho e de consumo.  

A indústria cultural é a própria ideologia, sua intenção é obscurecer a percepção das pessoas, principalmente das formadoras de opinião.

A industria cultural proporciona ao homem necessidades, fazendo com que ele compre aquilo que não precise com o dinheiro que ele não tem, fazendo-o consumir incessantemente. Estamos sempre insatisfeitos, querendo consumir e o campo de consumo se torna cada vez maior, devido ao progresso técnico e científico que são controlados pela industria cultural.

Para ADORNO, em sua obra Teoria Estética, segundo SILVA, a salvação está na arte que liberta o homem das amarras dos sistemas e o transforma em ser autônomo, livre para pensar, sentir e agir. E além do mais, a indústria cultural não pode ser pensada de maneira absoluta, pois possui uma origem histórica e pode desaparecer.

E podemos acreditar que as novas tecnologias da comunicação e da informação poderão ser uma arma eficiente contra a indústria cultural, devido à questão da interatividade, principalmente a Internet que é um misto de telefone, televisão e editor de texto.E se foi a indústria cultural que promoveu a globalização, foi a globalização que nos fez atentar para a diversidade cultural e o respeito às etnias. Essas novas tecnologias deixam de ser unilaterais para serem participativas, nelas não cabe mais o reflexo, o discurso, mas a reflexão, a participação. Não mais interação, mas interatividade. Não mais universalidade com totalização, agora universalidade sem totalização.

“A reflexão recusa os ‘fatos dados’, nega as práticas padronizantes e seus fundamentos ‘auto-evidentes’, filosóficos, ideológicos e sociais, e pressupõe para o indivíduo um potencial de mudança, uma diferenciação essencial entre sujeito e objeto. O sujeito luta dentro e contra suas condições sociais e existenciais e suas condições conceituais, emocionais e éticas, em um processo dialógico, em que são questionados o domínio predominante do auto-evidente e de sua própria existência, sua presente constituição e metas.

 O diálogo, a interatividade, a reflexão nos transportam para além da dimensão vigente da auto-evidência, e nos fazem seres autônomos. E para que haja um diálogo é necessário que reconheçamos o outro como totalmente diferente, mas um parceiro igual, uma possível fonte de novas perspectivas e possibilidades. Altera-se a totalidade da normalidade e abre espaço para alternativas. Um diálogo se determina pela solidariedade entre parceiros, pelo distanciamento que ambos consigam quanto ao que está dado e ao que parece auto-evidente.

O nosso compromisso é com o diálogo e contra a padronização do ser humano. Objetos podem ser padronizados, seres humanos não. Precisamos portanto reforçar os potenciais reflexivos do sujeito contra o auto-evidente, contra toda prática de padronização do ser humano, seja formal ou informal, em escolas e nas interações sociais e culturais, pois o ser humano é aquele capaz de reflexão, responsabilidade e transcendência”. (CARMO, 2002)

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


ADORNO,Theodor W. Résumé sobre indústria cultural[2]

<http://planeta.clix.pt/adorno/>

Acessado em 13 de julho de 2004

ADORNO,Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Zahar ed., 1985.

CARMO, Josué Geraldo Botura do. Interação e interatividade. 2001

<http://planeta.terra.com.br/educacao/josue>

Acessado em 21 de julho de 2004

CARMO, Josué Geraldo Botura do. Reflexo, reflexão e autonomia. 2002.

<http://planeta.terra.com.br/educacao/josue>

Acessado em 21 de julho de 2004.

CARMO, Josué Geraldo Botura do. Universalidade com totalização X universalidade sem totalização. 2002.

<http://planeta.terra.com.br/educacao/josue>

Acessado em 21 de julho de 2004

SILVA,*Daniel Ribeiro da.  Adorno e a Indústria Cultural. Ano I - Nº 04 - Maio de 2002 - Quadrimestral - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

<http://www.uem.br/~urutagua/04fil_silva.htm>

Acessado em 13 de julho de 2004

TEZZARI**, Neusa dos Santos. Indústria cultural.

<http://www.unir.br/~primeira/artigo48.html>

Acessado em 13 de julho de 2004

 

* Formado em Filosofia pelo Seminário Arquidiocesano de Maringá (PR)

** Professora de Língua Portuguesa – UFRO

 

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º grau e Magistério das Matérias Pedagógicas de 2º grau. Professor Facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO - MEC - NTE MG2

[2] Originalmente este ensaio "Résumé über Kulturindustrie" foi uma conferência radiofônica pronunciada por Adorno na Internationalen Rundfunkuniversität des Hessischen Rundfunk de Frankfurt, de 28 de Março a 4 de Abril de 1963, depois incluído no livro Ohne Leitbild. Parva Aesthetica. Frankfurt. Suhrkamp, 1967. Tradução de Carlos Eduardo Jordão Machado do original alemão e cotejada com a tradução italiana (Parva Aesthetica. Milano. Einaudi, 1979). Anita Simis e Marcos Costa colaboraram na edição final do texto.