VOLTAR À PÁGINA INICIAL 

 

EDUCAÇÃO & LITERATURA

 

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

Organização da Educação e dos Sistemas Escolares 

 Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

OUT. /99


 

 

 

 

Para uma análise e reflexão sobre a organização da educação e dos sistemas escolares, selecionei alguns autores: BRUNO, pela sua capacidade de organizar historicamente, de forma sucinta a questão da organização do trabalho até os dias de hoje, remetendo para questões atuais da administração escolar; DURKHEIM, AZEVEDO e NISKIER pelo fato de estarem intimamente ligados entre si e não nos deixando esquecer um instante do papel de coesão e coerção a que os sistemas escolares se prestam. A minha questão é a seguinte: Há a possibilidade de uma escola mais liberta dos laços da tradição em uma perspectiva de construção de um mundo mais democrático?

Segundo BRUNO (1993), a reorganização do trabalho tem início nas primeiras décadas do século XIX, mas foi no início do século XX que aparecem como teorias administrativas modernas apresentadas pelos autores Taylor e Fayol, teorias estas que constituem a expressão ideológica de práticas sociais de controle e de dominação no âmbito das organizações e da sociedade. Vai ser a partir da reorganização do campo da administração/organização do trabalho que a inversão na relação produtor-instrumental de trabalho vai realizar de maneira generalizada e consumar-se a cisão entre administração/organização do trabalho e sua execução.

A obra de Taylor vai trazer a institucionalização da prática tecnogestorial no interior das unidades produtivas, que ignora a capacidade de pensar dos trabalhadores, pois esta capacidade fica a cargo dos mestres e cronometristas. É nesta época que se altera o significado do termo qualificação e a concepção de educação e formação profissional da força de trabalho, influenciando fortemente nos currículos, no exercício da prática pedagógica e na condição social do professor. Os trabalhadores deixam de serem formados no interior das famílias e das corporações de ofício para serem formados basicamente na escola. É o momento da proletarização do professor que perde o seu caráter autônomo, segundo a autora.

Fayol prega que cada homem deve restringir-se a um papel determinado, numa estrutura ocupacional parcelada e monocrática. Para o bom desempenho da organização é necessário concentração de poder na cúpula administrativa, centralização de decisões, ordem, disciplina e hierarquia de comando.

Até os anos 40 a administração era pensada a partir dos aspectos internos da empresa enquanto um sistema fechado. A ênfase era dada à hierarquia, à imposição de regras e disciplinas rígidas. Procurava-se a padronização do desempenho humano e a rotinização das tarefas, evitando a variabilidade de decisões e os comportamentos individuais. As décadas de 50 e 60 marcam o processo de internacionalização da economia, exigindo estudos mais específicos e aprofundados da estrutura organizacional, requerendo descentralização administrativa e despersonalização do exercício do poder. As classes dominantes passam por um processo interno de renovação e reestruturação, ao mesmo tempo em que as estruturas de poder começam a se modificar encaminhando-se para a pluricentralização. Nos anos 60 a teoria estruturalista vai propor estudos sobre os “ambientes”, uma vez que as organizações são sistemas abertos em constante interação com o meio ambiente. E a interdependência das organizações vai levar alguns autores a estenderem suas análises para outras instituições além das fábricas: universidades, hospitais, sindicatos, partidos políticos, escolas, etc. O conceito de administração é o de administrar as inter-relações estabelecidas entre as organizações. É o processo de mundialização do sistema capitalista de produção, que vai implicar em uma articulação de formas organizacionais e produtivas bastante diferenciadas dentro de uma estratégia global, num contexto de crise altamente instável. Daí a valorização da capacidade de adaptação das organizações, reforçando a diversificação dos mecanismos de controle, através da administração dos conflitos e da construção do consenso. Para que as organizações sobrevivam em um mundo de mudanças permanentes é preciso que a cultura organizacional se revitalize e se renove permanentemente. Hoje a cultura organizacional substitui a cultura cívica, num culto aos símbolos das grandes corporações. À medida que a legitimidade baseada na propriedade privada perdeu substância, as organizações recorrem a procedimentos diversos para manter o equilíbrio com desenvolvimento de equipes de trabalho, análise transacional, reuniões de confraternização, tratamento de conflito intergrupal, laboratórios de sensitividade. A tendência hoje é a criação de pequenas unidades descentralizadas, com autonomia local, conectadas por laços mais ou menos frouxos ao núcleo central da organização, que exerce o controle global através dos canais de comunicação e informação e da distribuição de recursos. São mecanismos de controle relativamente invisíveis, dando uma aparência de um novo sistema de participação e autonomia. Contudo é uma participação controlada e uma autonomia que se restringe ao operacional. Com a introdução da automação microeletrônica nos processos produtivos e a informatização do setor terciário, as tarefas mais simples tendem a ser realizadas sem a intervenção do trabalho vivo, liberando a força de trabalho para tarefas mais complexas.

De acordo com a autora, ao trazer estas questões para o campo da gestão da escola, torna-se necessário a descentralização administrativa, inclusive dos recursos financeiros, conferindo maior autonomia às unidades escolares e permitindo a elas maior capacidade de adaptação às condições locais. É necessário também a maior participação dos agentes envolvidos no processo educacional no interior da escola, uma vez que suas responsabilidades aumentam com a descentralização operacional. Às Secretaria de Educação cabe distribuir os recursos, definir o controle dos meios de acompanhamento e avaliação dos resultados, estabelecer canais de distribuição de informações, e definir padrões gerais de funcionamento das unidades escolares. E às escolas cabe promover formas consensuais de tomada de decisões com a participação dos agentes envolvidos, prevenindo conflitos que poderiam obstruir a implementação das medidas tomadas. É neste quadro que se cria a eleição para diretores escolares, que vai facilitar o processo de implementação de medidas tidas como necessárias. Assim BRUNO discute a gestão democrática da escola deixando algumas questões a serem respondidas: 1. A autonomia da escola será em relação a alguns órgãos de decisão hierarquicamente superiores ou será em relação às formas de organização das instituições vigentes?  2. Qual será o grau de amplitude e o nível de participação dos diferentes agentes sociais envolvidos?  3. Qual ou quais instâncias decisórias na escola e quem define os meios para implementar o que foi decidido? Quais as formas de avaliação e acompanhamento que deverão ser criadas para garantir a consecução dos objetivos propostos? 4. Qual deverá ser a função do diretor? Coordenador horizontal das atividades da escola, ou porta-voz das decisões coletivas, ou controlador do processo de trabalho dos professores e funcionários, assim como das atividades dos alunos? 5. Quais os pré-requisitos para se chegar à direção da escola?   

Para DURKHEIM (1987), a palavra educação tem sido muitas vezes aplicada em sentido muito amplo para designar o conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência ou sobre a nossa vontade, exercem os outros homens, ou a natureza. Compreende os efeitos indiretos produzidos sobre o caráter e sobre as faculdades do homem. Seu foco, contudo, é sobre a ação que os adultos exercem sobre as crianças e os adolescentes. Para o autor não podemos e nem devemos nos dedicar todos ao mesmo gênero de vida, pois temos segundo as nossas aptidões diferentes funções a preencher. Alguns são feitos para refletir outros para executar. A harmonia acontecerá com a conduta e a educação e esta tem variado infinitamente com o tempo e com o meio. Os sistemas educativos são um conjunto de atividades e de instituições, lentamente organizadas no tempo, solidárias com todas as outras instituições e não podem ser mudadas à vontade, mas tão somente com a estrutura da mesma sociedade. Para ele é uma ilusão que podemos educar nossos filhos como queremos, pois há costumes com os quais somos obrigados a nos conformar, pois se os desrespeitarmos, eles se vingarão em nossos filhos que uma vez adultos não estarão em condições de viver no meio de seus contemporâneos. Há a cada momento um tipo regulador de educação do qual não nos podemos separar sem resistências, pois são produtos da vida em comum e exprimem suas necessidades, são em sua maior parte obra das gerações passadas. E a educação vai variar de acordo com as classes sociais e com as regiões. A educação da cidade é diferente da educação do campo e a educação do burguês é diferente da educação do operário, contudo há uma educação que é comum a todos. Toda sociedade faz do homem certo ideal intelectual, físico e moral e esse ideal é até certo ponto o mesmo para todos os cidadãos e vai se diferenciando segundo as particularidades que toda a sociedade encerra em sua complexidade. A sociedade não poderia existir se não houvesse em seus membros certa homogeneidade, e este é o papel da educação, fixar na alma da criança certas similitudes essenciais exigidas pela vida coletiva, e assegurar a persistência desta diversidade necessária, diversificando-se ela mesma e permitindo as especializações. A educação vem ser o meio pela qual se prepara no íntimo da criança as condições essenciais da própria existência, consiste numa socialização metódica das novas gerações. É a sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga a considerar outros interesses que não os nossos, que nos ensina a dominar as paixões, os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins individuais a outros mais elevados.

Complementando Durkheim, vem AZEVEDO (1987), falando dos sistemas escolares no Brasil na década de 30-40, e defendendo a divisão do trabalho na escola. Partindo ele da idéia de que a educação tem por fim assegurar a perpetuação de uma dada sociedade, deve realizar entre os seus membros certa homogeneização e diferenciá-los em seguida, porque a sociedade à medida que se complica, precisa, para manter e perpetuar a sua unidade, da diversificação de funções à base de um ideal comum: uniformizando e diferenciando. Para o autor a divisão do trabalho social é uma das causas mais ativas da diferenciação dos grupos. Aponta ele que à base dos sistemas escolares reside sempre uma educação comum destinada a estabelecer as semelhanças essenciais para a coesão social. Para ele a expansão quantitativa e a complexidade crescente dos serviços de ensino estabelecem alguns problemas de organização: direção, controle técnico, coordenação, orientação. Defende uma melhor adaptação da escola às novas exigências sociais.

NISKIER (1969), após discorrer no capítulo 2 sobre as teorias clássicas e modernas da administração, no capitulo seguinte trata da administração escolar, destacando a necessidade de um atendimento de maneira racional, como AZEVEDO defende a divisão do trabalho na organização escolar: administradores, professores, conselheiros. E sua preocupação neste capítulo é com a formação desses administradores escolares, sugerindo que estes devam estudar Sociologia, Ciência Política, Geopolítica, Estatística, Psicologia, Higiene, Ética, Direito e Tecnologia.

 CONCLUSÃO

Este estudo remeteu-me ao Admirável mundo novo de Haxley e me senti o próprio réu do Processo de Kafka. E fico pensando que “virei suco”. Fui mandado para a escola aos seis anos de idade e recordo-me que ia triste todos os dias indagando para que será que serve a escola, uma vez que ler e escrever eu aprendia em casa, pois sou de uma família de professores. Contudo, pensava eu, deve ser assim mesmo, porque todo mundo vai à escola. E até hoje estou eu na escola, talvez em busca de um sentido maior para ela.

Vivemos uma modernidade decadente e intransponível, com pessoas descontentes, mas conformadas. Sinto a escola impotente diante da falta de perspectivas dos seus jovens, uma vez que falta também perspectiva para os profissionais da educação.

Os dois últimos autores analisados pertencem a dois momentos de autoritarismo da política brasileira e todos os dois, ao serem lidos nos remetem a Durkheim.

Bruno se refere aos mecanismos de controle, atualmente, como relativamente invisíveis, dando uma aparência de um novo sistema de participação e autonomia, afirmando que a participação é controlada e a autonomia se restringe ao operacional. No final de seu texto as questões que ela coloca parecem sem muito sentido, pois não importa se a autonomia da escola será em relação a alguns órgãos de decisão hierarquicamente superiores ou será em relação às formas de organização das instituições vigentes; como não importa qual será o grau de amplitude e o nível de participação dos diferentes agentes sociais envolvidos; e nem qual ou quais instâncias decisórias na escola e nem quem vai definir os meios para implementar o que foi decidido, ou quais as formas de avaliação e acompanhamento deverão ser criadas para garantir a consecução dos objetivos propostos; e nem se a função do diretor será de coordenador horizontal das atividades da escola, ou porta-voz das decisões coletivas, ou controlador do processo de trabalho dos professores e funcionários, assim como das atividades dos alunos; e nem terá nenhuma importância os pré-requisitos para se chegar à direção da escola, uma vez que não se acredita na possibilidade da participação e da autonomia, verdadeiramente, uma vez que existem forças aparentemente invisíveis que tudo controla. Dá uma sensação de que estamos vivendo o Admirável mundo novo.

E neste último parágrafo eu ainda fico a me perguntar na possibilidade de uma escola mais liberta dos laços da tradição em uma perspectiva de construção de um mundo mais democrático.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTONACCI, M. A. M. A vitória da razão: o IDORT e a sociedade paulista. São Paulo: Editora Marco Zero/ MCT / CNPq, 1993. P. 36-79

AZEVEDO, F. Os Sistemas escolares. In: PEREIRA, L. & FORACCI, M. M. Educação e sociedade:  leituras de sociologia da educação. 13.ed. São Paulo: Nacional, 1987.  P. 138-149.

BRUNO, L. Relações de trabalho e teorias administrativas. São Paulo: Revista Idéias, n. 16. FDE, 1993. P.125-139.

DURKHEIM, E. A educação como processo socializador: função homogeneizadora e função  diferenciadora. In: PEREIRA L. & FORACCI, M. M. Educação e sociedade: leituras de sociologia da educação. 13. Ed. São Paulo: Nacional, 1987. p. 34-48.

FLEURY, A. C. C. e VARGAS, N. Organização do trabalho: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Ed. Atlas, 1983. p. 17-37

NISKIER, A. S. Administração escolar. Rio de Janeiro: Tabajara, 1969, p. 26-48

 

Filme: “O homem que virou suco” - Brasil

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º graus e Magistério das Matérias Pedagógicas do 2º grau. Professor facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO – MEC.