VOLTAR À PÁGINA INICIAL 

 

EDUCAÇÃO & LITERATURA

JOSUÉ GERALDO BOTURA DO CARMO

 

A CONSTRUÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA: UMA OUSADIA

 Josué Geraldo Botura do Carmo[1]

JUN/2000

 

 

 

 “O diretor de unidade de ensino no sistema público

sempre foi um cargo de confiança do poder público

central ou local. Acompanhando a história, observamos

que ele sempre foi um dos mecanismos do jogo do

poder e da barganha política. A figura do diretor

escolar era uma das peças importantes no controle

dos docentes e da rede escolar. Encontramos vozes

isoladas que pressionam pela autonomia administrativa

 da escola e propõem como uma das medidas a autonomia

da função de direção”.

 Miguel Arroyo

(1983)

Para Anísio Teixeira, segundo LÔBO (1999), democracia é liberdade de pensar, para produzir a unidade de ação consentida e partilhada. A democracia só vai se realizar pela educação quando essa for compreendida como o processo de aprender a pensar, tornando-se capaz de partilhar a vida em comum e de dar a si e a essa vida comum a sua contribuição necessária e única. Para a autora a democracia não é só uma forma de governo, é acima de tudo um modo de vida. Nada deve ser imposto do alto, mas tudo deve ser resultado do pensamento partilhado de todos os envolvidos. Necessário se faz recuperar a escola como espaço democrático pelo debate, pela discussão, pela competência técnica, pelo currículo, pelos métodos de ensino e de disciplina, nas relações entre alunos, professores e diretores.

           Para ZUNG (1984) não se pode negar a ação política do administrador educacional em nome de uma racionalidade científica, pois ao negar essa ação política justifica-se a alienação do administrador das decisões de política educacional e faz dele um executor de decisões oriundas de instâncias superiores em nome da garantia da “unidade nacional”, desviando a visão do administrador dos reais problemas, que só se definem a partir da inserção da organização escolar em seu contexto social, político e econômico. Para a autora os problemas de administração escolar não são os mesmos da organização empresarial, pois a natureza do processo educativo não se confunde com a natureza do processo produtivo. Ela afirma que para que a sociedade se democratize é preciso democratizar as instituições que compõem a própria sociedade.

           E PARO (1998) parte da premissa de que o papel da educação é a transmissão do saber historicamente produzido, é a atualização cultural e histórica do homem e que ao homem não importa só viver, é importante também viver bem, com direito a desfrutar todos os bens criados socialmente pela humanidade. A escola, segundo o autor é uma das únicas instituições para cujo produto não existem padrões definidos de qualidade, devido a extrema complexidade que envolve a avaliação de sua qualidade. Ela pode articular-se com uma variedade infinita de objetivos, não precisando estar necessariamente articulada com a dominação que vige em nossa sociedade.

           A questão a que me propus responder foi: o que podemos fazer para através da escola podermos colaborar efetivamente para a construção da democracia? Entendendo por democracia um modo de vida onde todos os cidadãos (aqueles que vivem em determinado território) tenham direito de voz e de voto, participando das decisões que norteiam a sociedade em que vivem, não só pelo voto, mas também pela participação nas decisões e acima de tudo tendo oportunidade de acesso aos bens da sociedade construídos historicamente, sejam materiais ou intelectuais.

           A partir da reflexão desses textos, e com base no pensamento marxista que diz que a escola faz parte da superestrutura, estando a serviço do poder central com o objetivo da manutenção da infra-estrutura, da base de sustentação da elite, o que nos leva a pensar ser ela mais reprodutora do que transformadora na sociedade capitalista, e todo o aparato educacional contribuir para isso: políticas públicas, legislações, formação de educadores, parâmetros curriculares, avaliações, etc., tendo em vista ainda que         durante todo o período do curso de pedagogia a que me submeti (1996-2000), estiveram presentes questões desta natureza: autores que apontavam a escola como reprodutora, autores que apontavam a escola como transformadora, outros que afirmavam que a escola reproduz, mas também transforma e aqueles ainda que diziam que ela transforma, desde que haja permissão do poder central.

           Anísio Teixeira já afirmava na década de 20 ou 30, que só existirá democracia no Brasil quando se montar a máquina que prepara as democracias, que para ele é a escola pública.

 

           E nós também, estejamos no papel de alunos ou de educadores, ou mesmo de cidadãos sonhamos com a democracia: podermos ter acesso aos bens culturais construídos historicamente pela humanidade com a colaboração direta ou indireta de todos nós. Sonhamos com esse modo de vida, em podermos viver bem. E perguntamos: o que podemos fazer para através da escola colaborarmos efetivamente para a construção da democracia?

 

           E é esta pergunta que tentarei responder. Primeiro, ao meu ver, precisamos conquistar certos direitos: um salário digno para os trabalhadores da educação, um plano de cargos e carreira satisfatório e tempo para dedicar-se à profissão. E juntamente com isso uma administração participativa de todos os segmentos da escola: professores, pais de alunos, alunos, disciplinários, pessoal da secretaria, serviçais, vigias, todos participando do processo educativo com direito de se organizar e com espaço (físico e temporal) para tal dentro da instituição. Seria nada mais do que tentarmos viver a democracia dentro de um espaço pequeno para podermos saber vivê-la em um espaço mais amplo, na sociedade. E é preciso antes de tudo criar espaços para que os diversos segmentos possam se encontrar e discutir com bases teóricas e nas experiências de vida de cada um, para que se chegue a uma conclusão e possa planejar conjuntamente. Criar um conselho com representantes dos diversos segmentos para traçar planos para o desenvolvimento da escola com capacidade de decisão tanto no que tange ao pedagógico, quanto ao administrativo e ao financeiro – e com recursos, é claro, financeiros e humanos, pois “não haverá administração competente caso não haja recursos para serem administrados”.¹

           Portanto é necessário criar condições para que todos os segmentos da escola: professores, alunos, pais, pessoal da secretaria, vigias, serviçais, disciplinários, jardineiros participem democraticamente da tomada de decisões no que diz respeito ao destino da escola e de sua administração: currículos, métodos de ensino e de disciplina, programas, horários, etc.

              Se a escola foi tão eficiente (e aqui se entende por escola o sistema educacional brasileiro) em sua contribuição para promoção das desigualdades sociais, e que hoje está colhendo o que plantou, tendo que resolver conflitos de diversas ordens que acontecem dentro da instituição, porque conflitos sociais tendem a explodir dentro das escolas onde as famílias se encontram, a escola agora teria o papel de contribuir para a diminuição das desigualdades, e poderá ser eficiente, se houver vontade política, não das esferas governamentais, mas na esfera de cada unidade de ensino, vontade política de cada um nós mesmo enquanto categoria de profissionais da educação.

           Seria necessário tomar a democracia como um modo de vida, em que todos debatam e discutam os problemas coletivos, até que se chegue a um consenso e pensar o papel da escola como o de transmitir o saber historicamente produzido destacando o direito que todos têm de desfrutar os bens criados socialmente pela humanidade, instrumentalizando o aluno para poder participar, promovendo desta forma a diminuição das desigualdades sociais. A escola pública continua ainda formando indivíduos com a capacidade de silenciar, mesmo discordando, de não reivindicar coisa alguma e de se submeter a fazer um mundo de coisas sem sentido, sem reclamar. Indivíduos capazes de renunciar ao direito de pensar, desistentes de sua cidadania e do direito de exercer a política. E não dá para separar o administrativo do pedagógico, pois os dois aspectos se conjugam no político, e o pedagógico é reflexo do administrativo, dentro de uma instituição escolar. Dessa forma é necessária a autonomia do professor para planejar, executar e avaliar o seu trabalho, além de orientar os seus alunos e atender aos seus familiares. Para tal é preciso valorizar o trabalho do professor em termos salariais e dar a ele tempo para atualização pedagógica e para que ele possa planejar, executar e avaliar seus trabalhos e que ele tenha ainda um tempo em que possa conversar com seus alunos e familiares dos mesmos, em caso de necessidade de orientação.

           Assim se poderia abolir o serviço de supervisão escolar que foi criado no Brasil para planejar, avaliar e fiscalizar o trabalho do professor. Hoje, o professor planeja o seu próprio trabalho, avalia o processo e o resultado, e não necessita de fiscais, uma vez que a lei garante a pluralidade de idéias. O mesmo acontecendo com o serviço de orientação escolar que foi criado com o objetivo maior de se manter a desigualdade social; em nome da orientação vocacional, que determinava a profissão de cada um de acordo com a sua classe social e a necessidade do mercado no momento; mais que orientar os alunos. Hoje os professores fazem e muito bem o trabalho de orientação e numa nova perspectiva, o desejo é o de fazer diminuir as diferenças. E com a criação de um colegiado com amplos poderes de decisão, abole-se também o diretor escolar que culturalmente carrega consigo todo o autoritarismo da instituição. O poder de decisão seria do colegiado formado por todos os segmentos da escola e que teria um presidente eleito a cada ano, dentre os membros dos professores eleitos, pela comunidade escolar para compor o colegiado, com a função de representar a escola perante os órgãos oficiais e extra-oficiais, de desempatar voto, quando ocorresse empate e assinar documentos.

           Esta poderia ser uma forma de se iniciar o trabalho de democratização da gestão da escola. E a escola pública perderia esse caráter de "asilo" que ela tem hoje, servindo para guardar crianças para os pais poderem trabalhar, e recolhendo jovens e adultos para que não perturbem a "ordem", para assumir o trabalho de democratização da sociedade em um ambiente em que todos estariam ali na categoria de aprendizes do ofício de participar e de usufruir o bem comum, pois nenhum de nós sabe nem participar e nem usufruir o bem comum, ficamos sempre achando que pertence aos outros.

           É claro que isso não aconteceria assim tão facilmente, teria que ser construído, e como afirma Kuhn (1974), através de uma citação de Plank (1948)² , será preciso que muitos dos que crêem no antigo paradigma morram para se viver um novo paradigma, que seria uma nova visão do que é democracia.

 

1. ZUNG (1984)

2. "Uma verdade científica nova não é geralmente apresentada de maneira a convencer os que se opõem a ela... simplesmente a pouco e pouco eles morrem, e nova geração que se forma familiariza-se com a verdade desde o princípio" (PLANK, 1948 - In: KUHN, 1974).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ARROYO, Miguel G. Administração da educação é um problema político. RBAE.  Porto Alegre, 1(9): 122-8 jan. /jun. 1983.

BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In: SILVA,  Luiz Heron e outro (orgs.) Paixão de Aprender II. Petrópolis: Vozes, 1995.

KUHN, T.S. A função do dogma na investigação científica. In: DEUS, Jorge Dias de. A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

LÔBO, Yolanda L. Administração escolar: lições anisianas. Rio de Janeiro, 1999. (mimeo).

PARO, Victor H. A gestão da educação ante as exigências de qualidade e

produtividade da escola pública. In: SILVA, L.H. (org.) A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998.

ZUNG, Acácia K. A. A teoria da administração educacional: ciência e ideologia. Cadernos de pesquisa. São Paulo, (48): 39-46, fev. 1984.

 

VER TAMBÉM:

 

q      CONTRIBUIR PARA O PROCESSO DEMOCRÁTICO: UM DESAFIO PARA A EDUCAÇÃO

 

q      A GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS: UMA PEQUENA REFLEXÃO

 

[1] Pedagogo com habilitação em Administração Escolar de 1º e 2º graus e Magistério das matérias pedagógicas do 2º grau. Professor facilitador em Informática Aplicada à Educação pelo PROINFO - MEC

 Licença Creative Commons
A CONSTRUÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA: UMA OUSADIA de Josué Geraldo Botura do Carmo é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
Based on a work at www.educacaoliteratura.com.br.